quarta-feira, 22 de abril de 2009

MUDANÇA DE RELIGIÃO

A escolha de uma nova opção tradicional é algo muito importante, e não se muda de uma tradição a outra como quem troca de toalha de mesa. A passagem de uma forma tradicional a outra envolve muitas questões complexas que devem ser refletidas para podermos consultar profundamente nosso coração e ponderar com cautela sobre isso.
Arthur Shaker

O psicanalista Jorge Forbes foi muito feliz ao propor uma expressão para caracterizar a situação do ser humano contemporâneo: desbussolamento (“Você quer o que deseja?” São Paulo: Best Seler, 2003, p.113). O homem encontra-se desbussolado, ou seja, perdeu a bússola, perdeu o rumo, não tem mais como se orientar. Nesta perda de rumo em que se vê imerso, sem parâmetros seguros que lhe forneçam o necessário substrato sobre o qual pautar sua conduta e metas de vida, tornou-se presa de novidades de última hora e ofertas de felicidade processadas a toque de caixa. As livrarias se tornaram verdadeiros supermercados da felicidade. As prateleiras estão abarrotadas de livros tipo “como fazer para ser feliz”: como ser feliz no casamento, como ser um profissional de sucesso etc. etc. Os títulos são inúmeros. Seria quase impossível elencar todos, tamanha a quantidade de volumes disponíveis. E, mais trágico: vendem. Basta consultar qualquer lista de mais vendidos publicados por revistas e jornais. É trágico e entristecedor constatar a situação de dilaceramento em que as pessoas se encontram em uma época de tanta desorientação que não se consegue nem mesmo qualificá-la. Andaram falando em pós-modernidade, mas o termo não agradou totalmente e hoje é objeto de acaloradas discussões. De qualquer maneira, não resta dúvida: o estado de desorientação é generalizado.
Nessa falência das ideologias, que consequenciaram a perda de parâmetros, as religiões não ficaram incólumes. Especialmente o cristianismo tem sofrido duros golpes. Provavelmente a civilização cristã-ocidental é a que mais tem sofrido as conseqüências do desbussolamento. Assistimos ao esvaziamento dos templos e a um crescente incremento da desconfiança nas autoridades eclesiásticas. Corolário dessa situação, observa-se uma crescente aproximação de cristãos ou ex-cristãos às religiões orientais. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, assim como em países da Europa, tem aumentado o número de adeptos do Hinduísmo e, especialmente, do Budismo. O motivo da busca por estas religiões parece claro: a insatisfação com ideologias até então aceitas como verdade.
Uma questão, porém, se coloca de forma imperativa: que conseqüências a mudança de religião pode acarretar a uma pessoa? Temos refletido muito sobre esta questão desde que entramos em contato mais estreito com algumas religiões não-cristãs, mais especificamente, com o Hinduísmo e o Budismo. De acordo com o “Atlas da Filiação Religiosa e Indicadores Sociais no Brasil”, baseado no Censo Demográfico de 2000, do IBGE, e elaborado por professores da PUC-Rio e pesquisadores franceses do Institut de Recherche pou le Développement (IRD-Paris) e do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS-Paris), publicado pela editora PUC-Rio, edições Loyola e CNBB, dentre as religiões não-cristãs, o Budismo é a que mais cresce no Brasil, contando, à época do censo, com um total de 214.861 adeptos. Tendo em vista essa cifra, a questão da mudança de religião parece-nos pertinente e merecedora de algumas considerações.
A uma pessoa que muda de religião mas permanece dentro do paradigma cristão, talvez as conseqüências não sejam tão perturbadoras. Para quem muda totalmente de paradigma, porém, a situação parece-nos mais complicada. Passar de uma igreja cristã para o budismo implica uma mudança total de modelo religioso. Isso afeta profundamente o modo de ser e a visão de mundo do indivíduo. A visão de mundo do budismo é muito diferente da cristã e, para quem teve uma formação cristã, ou seja, para quem traz em si arraigadas essas raízes, as conseqüências podem ser nefastas.
O psicólogo suíço Carl Gustav Jung teorizou bastante sobre o assunto da mudança de paradigma religioso, alertando para os riscos psíquicos a que estão sujeitos ocidentais de tradição cristã que assumem uma fé religiosa com características totalmente estranhas à sua, como o Hinduísmo ou o Budismo. A religião, que cumpre a importante função de centrar o indivíduo, conferindo à sua vida um sentido, poderá, no caso de mudança radical de credo, produzir o efeito contrário, gerando confusão e desorientação.
Não estamos com isso defendendo que um cristão não possa e, portanto, não deva, se assim o desejar, se converter ao Budismo ou a qualquer outra religião que seja de sua simpatia. De maneira alguma. No nosso caso, em particular, temos nos aproximado gradativamente do Budismo com muito interesse e simpatia, e só temos colhido bons frutos desta aproximação. Intentamos apenas alertar para o fato de que uma mudança de religião deve ser fruto de um processo, exigindo do indivíduo uma atitude pensada e ponderada, para que não venha a acarretar prejuízos e decepções.
O antropólogo Arthur Shaker, hoje um professante declarado do Budismo, no seu livro “Buddhismo e Christianismo: Esteios e Caminhos” (Petrópolis, RJ: Vozes, 1997), faz uma advertência muito pertinente: “(...) observo que muitas pessoas têm manifestado certo desapontamento com relação ao Christianismo, procurando alternativas para seu caminho espiritual nas tradições orientais, como o Buddhismo. Acreditam alguns que o Buddhismo seja uma via mais simples, talvez menos exigente. Supor que o caminho espiritual de uma Tradição seja sem exigências, regras e métodos é bem o tipo de desejo quimérico atual da indulgência da mente para com seus caprichos e apegos, mentalidade que brota do orgulho do ego em seu culto à sua auto-ilusão, culto incentivado pelas ideologias modernas do self-made man, o ´faço o que eu quero` e o ´eu me fiz por mim mesmo`”.
Assim, em que pese a reflexão proposta neste texto, algumas pessoas, a exemplo do próprio Shaker, conseguiram assumir-se como budista sem problemas. Outros, como o escritor e dramaturgo Paulo César Lopes, afirmam ter conseguido estabelecer uma ponte entre as duas tradições, cristã e budista, valendo-se de ambas como esteio para sua prática religiosa: “A grande maioria de meus encontros com o Buda se deu por meio dos livros. Hoje em dia, toda manhã, antes de iniciar minha meditação, leio um texto da tradição cristã e um da tradição budista. O meu encontro com o budismo desde o começo foi dialógico: o cristianismo me levou ao budismo e o budismo, por sua vez, fez-me descobrir todo um aspecto do cristianismo que eu mal conhecia”.
Que cada um possa ponderar prudentemente, para que sua escolha de uma religião seja uma escolha sensata e não venha a produzir danos ao invés dos pretendidos benefícios.

Domvasco

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